Patentes Sobre Codecs de Vídeo no Brasil

22/03/2016, por Estêvão Monteiro.

Vídeo digital é uma das aplicações tecnológicas que mais cresce no mundo, na Internet, na TV e em dispositivos computacionais pessoais. Via de regra, tais aplicações empregam algoritmos sofisticados de compressão, pois vídeo puro consiste em um volume massivo de dados. A cada geração da tecnologia, os algoritmos se tornam mais sofisticados: definição padrão usa o formato MPEG-2; alta definição usa o formato H.264/AVC; e ultra-alta definição usa o formato H.265/HEVC. Tais formatos são publicados pela ISO/IEC (grupo MPEG) e pela União Internacional de Telecomunicações - ITU como padrões abertos, em termos de direitos autorais, porém incluem patentes essenciais registradas por interesses privados no exterior, como a organização MPEGLA (que não tem vínculo algum com o grupo ISO/MPEG).

Patentes essenciais, no presente contexto, são algoritmos e técnicas necessários para implementar um codificador ou decodificador do respectivo formato de vídeo ou áudio. Embora tais formatos sejam abertos, seu uso em software e em conteúdo (arquivos de vídeo) infringe as patentes e implicam em pagamento de royalties, no estrangeiro. Portanto, trata-se de um assunto de grande interesse para os meios de comunicação e serviços de Internet.

O formato de vídeo predominante em 2016 é o H.264/AVC (Advanced Video Coding), suportado por virtualmente todos os dispositivos e sistemas. O formato foi bem-sucedido em superar os obstáculos de licenciamento com royalties após sucessivas flexibilizações dos termos e valores da licença:

Além da flexibilização da licença do H.264, em 2013 a Cisco publicou o codec OpenH264 e, numa iniciativa inédita, assumiu para si os custos de licenciamento de todos os usuários, a fim de promover padrões universais como WebRTC. Com isso, a organização Mozilla finalmente adotou o formato no seu navegador Firefox; anteriormente, havia apenas incluído mecanismos para usar os decodificadores já incluídos em, e licenciados por, o sistema operacional.

Em 2013, foi publicado o padrão H.265/HEVC (High Efficiency Video Coding), destinado a viabilizar produtos de ultra-alta definição (4K e 8K). A indústria e a academia já migram sua atenção para o novo formato, mas a adoção pelo público em geral ainda é lenta. O HEVC iniciou com uma licença muito mais cara do que o AVC, provocando reações negativas de indústria, que logo formou uma licenciadora alternativa, HEVC Advance. Ao final, a licença tornou-se similar à do AVC, com isenção até 100 mil produtos anuais vendidos, mais isenção total a todo e qualquer conteúdo [1]. Mas a reação mais relevante provavelmente é a formação da Alliance for Open Media, envolvendo os gigantes da área, para desenvolver padrões de mídia abertos para a Internet, como os formatos Daala, Thor e Opus.

Patentes de Software no Brasil

Diante de tanta controvérsia sobre royalties, como a questão é tratada no Brasil? Em primeiro lugar, há que se verificar a aplicabilidade das patentes referentes às quais são cobradas as taxas. A legislação aplicável é a lei nº 9.279, de 14/05/96 [2], que define como patenteáveis somente “invenções” e “modelos de utilidade”, ambos de aplicação industrial. O artigo 10 não considera como invenção nem modelo de utilidade o “programa de computador em si”. Sendo assim, software não é patenteável no Brasil, exceto como parte de invenção ou modelo patenteável (por exemplo, uma invenção eletrônica que inclui controladores de software). “Nem passa por discussão hoje esse tipo de problema no INPI”, declara Júlio Castelo Branco, diretor de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (único órgão brasileiro competente para registrar patentes no País), em 28/05/2012 [3]. A legislação brasileira, portanto, está alinhada com as legislações européias, em oposição à americana.

Entretanto, reconhece o Brasil patentes estrangeiras? “O direito concedido pela patente é restrito ao país que a concedeu, ou seja, se a patente foi concedida somente por um país, o direito vale somente para este país”, esclarece Victor Pimenta M. Mendes, do INPI. “No caso em questão, se o software viola patentes estrangeiras mas a patente não foi também concedida no Brasil, o uso deste programa de computador, no Brasil, não configura violação à propriedade intelectual, não havendo a necessidade de pagamento de royalties pois, no Brasil, tal invenção estaria em domínio público.” Ademais, a licença HEVC Advance concorda com a declaração: "If there are no patents in the country of manufacture and also no patents in the country of sale, then no royalties are due for HEVC content distribution or HEVC devices" [4]. Ou seja, não havendo patentes nem no país de fabricação do produto nem do país de venda, não há cobrança de royalties.

Parece evidente, portanto, que patentes de software como as da MPEGLA e da HEVC Advance não são aplicáveis a produtos no Brasil, portanto o uso de padrões internacionais de vídeo e áudio no Brasil é isento de pagamento de royalties. De fato, o popular reprodutor de vídeo francês VLC emprega a mesma argumentação [5]. Todavia, o presente autor não alega competência jurídica alguma, portanto interessados devem procurar a devida assessoria jurídica sobre o assunto antes de se colocar em risco.

Vídeo sem Patentes

Na América do Norte, Japão e Coréia do Sul, especialmente, patentes de software encarecem a disseminação de certas tecnologias, como formatos avançados de vídeo. Como esses países são sede de vários fornecedores de tecnologia, o problema afeta a oferta global. Naturalmente, portanto, esforços têm sido investidos em formatos de vídeo livres de royalties. Para tanto, deve-se empregar técnicas alternativas que não configurem violação de patentes ativas (várias patentes relacionadas a vídeo digital vêm expirando ao longos dos anos). Os formatos de vídeo livres de patentes mais relevantes atualmente são a família VPX, oriunda da empresa americana On2 Technologies.

O formato VP3 foi cedido pela On2 ao domínio público e desenvolvido pela fundação Xiph.Org para o formato rebatizado de Theora. Theora encontra-se hoje amplamente implementado em softwares livres, especialmente em sistemas Linux. Sua qualidade de compressão é comparável ao H.263 ou MPEG-4 Video, ultrapassados há mais de uma década.

Em 2010, a Google comprou a On2 e lançou o formato VP8 sob a marca WebM (arquivo Matroska, contendo vídeo VP8 e áudio Vorbis), com a notória proposta de competir com a qualidade do H.264/AVC como um formato absolutamente livre e sem patentes. Ainda assim, em 2013, a MPEGLA identificou 11 patentes essenciais violadas pelo formato VP8 e ameaçou cobrar royalties. No mesmo ano, a Nokia também processou a Google citando 86 patentes sobre o VP8, mas fracassou. Finalmente, a Google obteve êxito em um acordo de licença livre de royalties junto aos detentores das patentes. Ao final de 2012, lançou também o VP9, para competir com o H.265/HEVC, combinado com áudio Opus.

Um comparativo de qualidade e velocidade de compressão entre esses formatos, tanto livres quanto patenteados, pode ser conferido em [6]. Segundo esse estudo, a qualidade do Theora é substancialmente pior que todos os outros; VP8 é próximo, mas pior que x264 no perfil Baseline, mas substancialmente pior que o perfil High; e VP9 em configurações de alta qualidade é comparável a x265 em configurações de qualidade média, mas consideravelmente pior do que a qualidade alta. A velocidade de compressão do VP8 é similar à do x264, mas o VP9 é 3 vezes mais lento que o x265 para a mesma qualidade produzida. A família VPX também está em desvantagem quanto à pouca presença embarcada em hardware, o que aumentaria o desempenho e reduziria o consumo de bateria.

A família de formatos VPX inevitavelmente se coloca em desvantagem ao evitar as técnicas patenteadas, que estão entre o estado-da-arte da eficiência de compressão. Apesar disso, especialistas comentam que as diferenças de qualidade e velocidade não são comercialmente relevantes, embora o baixo nível de implementação em hardware seja. A comunidade de software livre, com patrocínio das fundações Xiph.Org e Mozilla, está desenvolvendo um formato de vídeo de nova geração com técnicas substancialmente diferentes das patentes, chamado Daala, que já alcança qualidade comparável ao x265 e pretende superá-lo. Em paralelo, a Cisco vem desenvolvendo o formato Thor, e a Google, o formato VP10. Em 2015, esses grupos formaram a Alliance for Open Media para combinar seus esforços e produzir o formato final da nova geração, combinando alta qualidade com liberdade total de implementação e uso. Certamente, dentro de alguns anos teremos uma revolução em tecnologia de vídeo sem patentes.

Licenças de Software

Embora software não possa ser patenteado no Brasil, o País está inserido em tratados internacionais de direitos autorais, sob as quais softwares são registrados como obras literárias. Nesse caso, é vedada a cópia não-autorizada de cada software específico. Porém, todos os padrões ISO/IEC e ITU-T de vídeo e áudio relevantes possuem implementações em softwares de licenças livres (por exemplo, GPL), e os direitos autorais se aplicam apenas ao trabalho constituído pela implementação em si, mesmo que envolva técnicas patenteadas por terceiros. Sendo livre e gratuita a licença autoral da implementação específica, não se verifica restrição alguma sobre o codificador ou decodificador.

Ao usar software livre, é necessário atentar para os termos da licença. Algumas, como a GPL, são restritivas, de modo que softwares derivados devem obedecer à mesma licença. Outras, como LGPL e BSD, são permissivas, podendo ser livremente usadas sem maiores implicações. Alguns softwares, como o compressor x264, oferecem uma licença comercial como alternativa à licença livre restritiva. Essas licenças se referem à distribuição (comercial ou não) de software, ou seja, à troca (entre partes distintas) de cópias de entidades pacotes lógicos ou físicos. Entretanto, serviços de Internet podem conseguir contornar algumas restrições.

No Linux, uma das principais plataformas de conversão de mídia é o FFmpeg (ou seu fork, Libav). O FFmpeg tem licença permissiva (LGPL) e é autônomo em comprimir áudio para AAC e empacotar fluxos de mídia em MP4. (Para AAC, o melhor resultado é obtido com a biblioteca livre FDK-AAC.) Para comprimir vídeo H.264, entretanto, o FFmpeg depende da biblioteca libx264, que é restritiva (GPL). Então, o FFmpeg tem que ser compilado como software GPL para poder produzir H.264.

Consultando o FAQ do GPL [7]:

Qual é a diferença entre "mera agregação" e "combinar dois programas em um programa"?

(...)

Em que se constitui combinar duas partes de um programa? Esta é uma questão legal, que em última instância, os juízes decidirão. Nós acreditamos que um critério apropriado dependeria do mecanismo de comunicação (exec, pipes, rpc, chamadas a funções em um endereço compartilhado, etc.) e da semântica da comunicação (quais tipos de informação são trocados).

(...)

Em contraste, pipes, sockets e argumentos de linha de comando são mecanismos de comunicação normalmente utilizados entre programas separados. Mas se a semântica das comunicações for íntima o suficiente, trocando complexas estruturas de dados internas, isso também seria base para considerar as duas partes combinadas num programa maior.

Pode-se argumentar, então, que um serviço conversor de vídeo proprietário poderia invocar um executável do FFmpeg, de licença GPL, instalado independentemente no sistema operacional (típico em sistemas Linux, por exemplo), passando o arquivo de entrada e o endereço desejado para o arquivo de saída, e gerenciar esse produto, sem constituir uma combinação de programas em um único programa em si, restando como “mera agregação”. Existe controvérsia sobre ligação dinâmica de bibliotecas com componentes GPL, mas não quando se trata de invocação de programa executável independente sem trocas de estruturas de dados comuns. Um outro exemplo seria chamadas a procedimentos remotos (RPC). Reiterando, mesmo sendo favoráveis as perspectivas, convém aos interessados buscar a devida assessoria jurídica.

Compressores de vídeo livres relevantes incluem:

Compressores de áudio livres relevantes incluem:

* Licença livre restritiva GPL.