Documento publicado por Estêvão Chaves Monteiro em agosto de 2013 sob licença Open Gaming License versão 1.0a.


D&D4 - Abstraindo as Perícias

Ao ler artigos sobre D&D Next (a 5ª edição), gostei muito de três idéias que foram colocadas como premissas do novo sistema do jogo, embora não necessariamente da forma como foram definidas. A primeira foi trazer o foco de volta para os seis atributos básicos e usá-los para tudo sem usar estatísticas adicionais. A segunda foi reduzir a importância do nível em relação à chance de ter sucesso em ações, o que reforça o primeiro ponto também. E a terceira foi a idéia de tratar vantagens em testes e jogadas como uma jogada de 2d20 que considera apenas o maior dado.

Em relação ao primeiro ponto, na próxima edição não existirá mais Fortitude, Reflexos e Vontade, nem perícias. Tudo serão testes de atributos. Em relação às defesas, isto desequilibra um pouco os atributos porque alguns quase nunca serão usados, mas não se pode dizer que não seja coerente com o mundo do jogo. Um outro porém é que essa 5ª edição volta à mecânica da 3ª em que o atacante só faz a jogada quando o ataque for com arma, e quando for magia ou efeitos similares o atacante apenas determina a Dificuldade da jogada de resistência do defensor. Esta mudança não é, de forma alguma, impossível para a 4ª edição. Mas, pessoalmente, eu prefiro a mecânica do atacante jogar o ataque contra uma defesa passiva do defensor, pois acho que aumenta a participação dos jogadores no combate, envolvendo-os mais, principalmente nos níveis iniciais quando poucos inimigos usam efeitos especiais; além disso, a mecânica fica mais uniforme e intuitiva.

Não haver perícias tem efeitos interessantes. Significa que é o modificador do atributo que sempre conta para todas as atividades, valorizando o modificador e não o fato de ser treinado ou não na perícia. Os patamares de dificuldades não precisam ser muito espaçados, e dificuldades altas são indesejáveis e irreais, então se mantém um espectro limitado e fácil de lembrar. A outra questão da 5ª edição, a redução de bônus de nível, também contribui para este novo conceito. E é um retorno às primeiras edições do jogo, nas quais, por falta da mecânica de dificuldade-alvo separada do atributo (o teste era feito usando o atributo como dificuldade em vez de como bônus contra uma dificuldade), havia valores específicos para cada perícia (então chamadas proficiências sem armas), o que não é mais o caso e podemos ficar apenas com os atributos.

Por outro lado, algumas atividades requerem distinção entre quem é treinado e quem não é, e algumas classes são tradicionalmente caracterizadas por serem mais habilidosas que outras. Como tratar estas questões? No Next, as restrições são transferidas para proficiência com ferramentas: o ladrão é proficiente com ferramentas para abrir fechaduras e desarmar armadilhas, por exemplo. Tentar realizar uma atividade sem as ferramentas adequadas é feito com uma desvantagem significativa, além de poder ser proibido pelo Mestre se for impossível obter êxito. Além disso, classes como o próprio ladrão recebem um dado de expertise como bônus nos testes de Destreza. Estas duas idéias, da classe determinar proficiência com ferramentas e uma jogada vantajosa com testes de atributo, são muito interessantes, embora existam ressalvas sobre a maneira como estão definidas no Next.

No Next, conhecimentos se manteram como perícias, são mais numerosos do que nunca, são determinados pelo histórico do personagem e recebem um bônus +10. É coerente que continuem definidos como habilidades estudadas, independente da habilidade natural dos atributos. Portanto, merecerão regras próprias. Mas, vamos definir primeiro como as atividades são resolvidas.

É coerente que alguns personagens e classes são mais treinados em algumas habilidades do que outros. Porém, temos como premissas enfocar os atributos e evitar acrescentar estatísticas à ficha dos personagens. No Next, a vantagem de rolar duas vezes e considerar o melhor resultado é uma regra geral para todas as jogadas e testes e substitui o bônus +2 recomendado nas edições 3ª e 4ª. Porém, essa vantagem pode ser um pouco exagerada, e o bônus condicional +2 não precisa ser abolido, já que nossa prioridade são as estatísticas fixas dos personagens. Portanto, proponho a seguinte regra: quando um personagem é treinado numa certa atividade que envolve um atributo, ele joga o dado d20 duas vezes e considera apenas o melhor valor, ou seja, faz um teste de melhor de 2d20 (apenas para testes de habilidade, nunca jogadas de ataque). Assim, não precisamos dimensionar as Classes de Dificuldade como se personagens treinados conseguissem superar os destreinados, mas os treinados são mais confiáveis nas tarefas de sua expertise, tendo adquirido maior segurança e prática. Além disso, permanece a questão da proficiência com ferramentas.

Mas se ainda temos o conceito de treinamento em certas atividades, na verdade ainda temos perícias, só não temos bônus diferenciados. Podemos ampliar essa questão para treinamento em atributos inteiros, definidos pelas classes. As restrições de proficiências continuam impostas. Assim, todo ladrão é treinado em testes de Destreza e também é proficiente com ferramentas para abrir fechaduras e desarmar armadilhas; enquanto que o caçador (ranger) também é treinado em testes de Destreza, mas não é proficiente com as ferramentas, então não invade o nicho do ladrão. Além dessas restrições, armaduras também podem ser um elemento de diferenciação no desempenho das classes em tarefas não-combativas. Nadar e furtar seriam tarefas impossíveis para personagens com armadura pesada (afunda automaticamente pelo peso, e não consegue furtar rápida e silenciosamente com tanto metal), e realizadas com desvantagem (-2) com armadura leve se não possuir proficiência. Escalar, saltar, fazer acrobacias, equilibrar-se, libertar-se quando agarrado ou amarrado (com Destreza), ocultar objeto, ocultar-se e rolar com queda seriam atividades que sempre sofrem desvantagem com armadura pesada, e com qualquer armadura usada sem proficiência. Estas regras gerais são questão de bom senso e devem constar nas descrições das regras das atividades, não precisando ser anotadas nas fichas dos personagens e monstros (a menos que se deseje), mesmo porque a penalidade é uniforme, sempre -2 ou impossibilitando a tarefa. Detectar magia seria uma tarefa de Inteligência que requer treinamento mágico, que pode ser refletido pela proficiência com um implemento qualquer (o implemento não é necessário para a tarefa, mas ser proficiente em implemento indica treinamento mágico que torna a ação possível).

Mais uma vantagem dessa mecânica é que as tarefas não precisam ser restritas a um atributo. Intimidar pode ser um teste de Carisma ou de Força; tarefas de Sabedoria ativas, não reativas ou passivas, podem ser feitas por Inteligência ao invés: ativamente procurar presenças, objetos, marcas, rastros ou sons, analisar o comportamento de uma pessoa enfeitiçada e deduzir a influência externa, prestar socorros e tratar doenças, estudar uma cena ilusória e descobrir sua falsidade. Ainda restam tarefas que só Sabedoria permite, e todas essas citadas o personagem sábio faz instantaneamente e passiva ou reativamente, enquanto o inteligente precisa decidir realizar a tarefa e dedicar tempo a ela. Casos omissos serão tratados pelo Mestre e pelos jogadores com bom senso.

Um ajuste que deve ser feito na resolução de testes é que testes de habilidade não poderão ser feitos contra defesas, como era o caso de intimidar e libertar-se quando agarrado, por exemplo. Isto porque defesas, assim como jogadas de ataque, seguem uma escala diferenciada e recebem muito mais modificadores. Assim, um teste de habilidade é sempre feito contra outro teste de habilidade ou dificuldade fixa, que pode ser o valor passivo de um teste de habilidade (10 + modificador de atributo).

Em relação à redução da importância do nível, isto é especialmente interessante para perícias pois permite manter as mesmas Classes de Dificuldade ao longo de todo o jogo, mantendo coerência e uma dose sadia de realismo. Ora, na 4ª edição ocorrem muitos aumentos de valor de atributo: 2 nos níveis 4, 8, 14, 18, 24 e 28, e 6 nos níveis 11 e 21. Para testes de habilidade, esses aumentos são representação suficiente de progresso com a experiência heróica; não é necessário o bônus de metade do nível. Em D&D Next existem bônus de nível de +1 a +6 ao longo de 20 níveis e também dado de bônus expertise, porém lá os atributos são limitados até 20 e aqui temos o diferencial do melhor de 2d20 determinado pela classe para indicar expertise.

Testes de Habilidade

Força: escalar*, intimidar, libertar-se (agarrado), nadar**, romper objetos, saltar*.

Constituição: ignorar fome, ignorar sede, marchar forçado*, nadar forçado**, prender respiração, resistir clima extremo, resistir doença.

Destreza: abrir fechaduras***, acrobacia (andar, cair)**, cavalgar, desarmar armadilhas***, dirigir, equilibrar*, furtar**, libertar-se (agarrado ou amarrado)*, ocultar objeto*, ocultar-se*, rolar com queda**.

Inteligência: certos conhecimentos (ver abaixo), detectar magia****, lembrar-se de informação, todas ações ativas (não reativas nem passivas) de Sabedoria (requerem mais tempo).

Sabedoria: certos conhecimentos (ver abaixo), encontrar alimentos, intuição, observar, orientar-se, ouvir, perceber influência, prestar socorros, procurar, rastrear, reconhecer falsidade (inclusive ilusões), tratar doença.

Carisma: cantar, enganar, intimidar, investigar, lidar com animal, persuadir, tocar instrumento musical.

* Armadura pesada sempre impõe desvantagem; armadura sem proficiência impõe desvantagem.
** Impossível com armadura pesada; armadura sem proficiência impõe desvantagem.
*** Impossível sem usar ferramentas de ladrão com proficiência.
**** Impossível sem proficiência com algum implemento (não precisa usá-lo na ação).

Conhecimentos e Identificação de Criaturas

Uma vez que não temos mais perícias nem bônus diferenciados, podemos decompor os conhecimentos. Em primeiro lugar, distinguimos o estudo das criaturas do mundo natural, do Plano das Fadas, do Plano das Trevas, do Plano Astral e assim por diante de conhecimentos mais genéricos como magia, cosmologia, cultura e demais. Desta maneira, distinguimos duas funções de jogo distintas: reconhecer criaturas encontradas, normalmente hostis, com suas habilidades, e entender melhor o mundo do jogo. Arcanismo, além de se decompor na identificação dos tipos específicos de criatura, pode ser decomposto entre Magia e Cosmologia. Religião também podia ser usada para cosmologia, mas agora é mais específica do que isso. História podemos rebatizar de Cultura, que pode até tocar em assuntos de religião mas mais voltada para folclore e tradições do que teologia, hierarquias mortais e celestiais e demonologia. Cultura abrange também história, geografia e política.

Assim, nos restam como conhecimentos de Inteligência: Cosmologia, Cultura, Magia e Religião; e, como conhecimentos de Sabedoria: Natureza e Subterrâneo. Identificação de criaturas também é dividida entre Int e Sab: Inteligência identifica elementais, fadas, feras mágicas, imortais, mortos-vivos e tenebrosos; Sabedoria identifica aberrações e naturais. Note que deve ser sempre usada a opção mais específica: um Humanóide Natural com a palavra-chave Morto-Vivo é sempre identificado como morto-vivo e não como criatura natural, e uma Fera Mágica Natural é sempre identificada como fera mágica e não como criatura natural.

Na sociedade medieval, ensino formal é muito raro. A tutoria é o método predominante de ensino. Os comuns, camponeses e demais plebeus, são predominantemente tutorados em ofícios, na condição de ajudantes de profissionais. Apenas a aristocracia e o sacerdócio recebem ensino acadêmico formal. Ainda assim, instituições de ensino praticamente inexistem e todo o ensino é realizado no lar, no mosteiro ou nos palácios. A própria alfabetização praticamente inexiste fora das elites. Os jogadores de D&D interpretam personagens protagonistas heróicos, que são normalmente considerados pelo menos alfabetizados. Cenários de campanha são variados mas, em geral, essas premissas permanecem válidas. A maioria das crianças não têm aulas de matérias mundanas como Conhecimentos Gerais, História nem Geografia. A Ciência que conhecemos hoje se confundia com Astrologia, Alquimia e Ocultismo e era restrita às elites abastadas que não tinham que trabalhar (pelo menos, não diariamente) para comer. Considerando esse contexto, é de se esperar que personagens de D&D ou estudaram uma disciplina ou nada sabem sobre ela, além dos conhecimentos cotidianos que não requerem testes de habilidade. Sendo assim, apenas personagens que detém algum conhecimento, através de sua classe ou do aprendizado através de um dom (feat), podem fazer testes de conhecimento e de identificação de criaturas. A exceção é quando o personagem já teve contato com uma informação mas o jogador não se lembra: nesse caso, o Mestre pode convidar o jogador a testar a Inteligência do personagem para lembrar-se.

Treinamento das Classes

Todas as classes arcanas: identificam construtos, elementais, fadas, feras mágicas e tenebrosos; conhecem cosmologia, cultura e magia; proficientes com implemento.
Bardo: treinado em Destreza e Carisma; identifica todas as origens e tipos; conhece todas as áreas; proficiente com ferramentas de ladrão.
Bruxo e feiticeiro: treinado em Inteligência e Carisma; identifica todas as origens e tipos.
Espadarcana: treinado em Força, Constituição e Inteligência.
Mago: treinado em Inteligência; identifica todas as origens e tipos; conhece todas as áreas.

Todas as classes divinas: identificam imortais, mortos-vivos e tenebrosos; conhecem cosmologia, cultura e religião; proficientes com implemento.
Clérigo: treinado em Inteligência, Sabedoria e Carisma.
Paladino: treinado em Força, Constituição e Carisma.

Todas as classes marciais: conhecem cultura.
Caçador: treinado em Constituição, Destreza e Sabedoria; identificam naturais; conhecem natureza e subterrâneo.
Guerreiro: treinado em Força e Constituição.
Ladino: Destreza, Sabedoria e Carisma; proficiente com ferramentas de ladrão.
Militarista: treinado em Força e Carisma.

Todas as classes primais: identificam elementais, fadas, feras mágicas e naturais, exceto construtos e mortos-vivos; conhecem natureza e subterrâneo; proficientes com implemento.
Druida: treinado em Constituição e Sabedoria.

Bônus Raciais

No contexto destas regras, bônus raciais a perícias não se encaixam muito bem. É justo que algumas raças sejam mais capacitadas que outras em algumas atividades, mas isto já se reflete nos seus bônus aos atributos. Na última errata do jogo, os bônus em atributos tornaram-se mais flexíveis, sendo um bônus pré-determinado e um outro escolhido entre duas opções. Além disso, o rearranjo das perícias entre atividades, conhecimentos e identificação de criaturas tornaria uma conversão direta muito prolixa. Sugere-se descartar este elemento do jogo.

A saber, no jogo original, bônus raciais sempre são de +2 e ocorrem em duas perícias:

Anão: Subterrâneo, Tolerância
Eladrin: Arcanismo, História
Elfo: Natureza, Percepção
Gnomo: Arcanismo, Ocultação
Halfling: Acrobacia, Furto
Meio-elfo: Diplomacia, Sagacidade
Meio-orc: Intimidação, Tolerância
Tiefling: Blefe, Ocultação

Exemplo de Personagem

Bronn é um personagem do Mestre na minha campanha. Sua ficha é um exemplo desta variante combinada à simplificação de atributos.

Conclusão

Com estas regras alternativas, facilitamos a resolução de testes de habilidade, diminuimos a complexidade do sistema de regras do jogo, obtemos fichas de personagem muito mais sucintas e eliminamos um passo supérfluo na criação de personagens.